O Centro das Artes de Sines apresenta, entre 17 de dezembro do presente ano e 17 de fevereiro de 2023, a exposição “Águas Vivas: Mares, Rios e Lagos na Arte Europeia (Séculos XVII-XX)”. Esta mostra, com curadoria do historiador da arte José António Falcão, revela-se uma oportunidade única para conhecer perto de uma centena de obras portuguesas e internacionais, quase todas inéditas, provenientes de coleções do Alentejo.
Incolor, inodora, insípida, a água é também, quando observada em pequenas espessuras, transparente. Já as grandes espessuras conferem-lhe a característica cor verde-azulada, povoada de mistério. Recurso natural finito, composto de hidrogénio e oxigénio (H2O), a água também se manifesta no estado gasoso ou sólido. De tão indispensável, equivale à própria existência. Daí envolver inúmeras referências simbólicas, como fonte da vida, meio de purificação e centro de regeneração.
A água constitui, do ponto de vista psíquico, um reflexo das energias inconscientes, das pulsões mais profundas do espírito, dos fios secretos que regem o globo. Acresce que a fluidez das formas, o movimento irreversível ou transitório, o pitoresco dos sítios (e de tudo o que os habita) deram larga projeção ao mar, aos rios e aos lagos no contexto das artes visuais, desde os primórdios da atividade artística à criação contemporânea, suscitando a paixão dos pintores.
É este o fio condutor de uma reflexão plural que subjaz à exposição “Águas Vivas: Mares, Rios e Lagos na Arte Europeia (Séculos XVII-XX)”, que decorre no Centro de Artes de Sines de 17 de dezembro de 2022 a 31 de março de 2023. Oportunidade para revelar perto de uma centena de obras de arte, provenientes de coleções do Alentejo, que evocam diferentes dimensões dos mares, rios e lagos, sob o olhar de grandes mestres da arte europeia, especialistas em marinhas. A mostra abrange igualmente obras de autores portugueses que trabalharam em Sines, como Emmerico Nunes, Nikias Skapinakis, Álvaro Perdigão ou Graça Morais.
Fruto de um esforço de sistematização de escolas e tendências, a exposição organiza-se em torno de quatro núcleos temáticos. O primeiro, “Atmosferas, Horizontes, Impressões”, expressa o apelo ao olhar que constituem as extensões aquáticas. Imagens da dinâmica vital, refletem tanto o habitat como o “estado de espírito”. Não surpreende que se tornassem um foco de especial atenção dos artistas, que encontraram nelas, ao longo dos tempos, um intenso estímulo criativo – e um profundo motivo de reflexão. Mas a figuração dos espelhos líquidos é também, amiúde, um aflorar de sítios mágicos e misteriosos, um apelo à expressão de emoções.
Navigare necesse est, “é preciso navegar”, frase atribuída por Plutarco a Pompeu, manifesta a importância, real e simbólica, de singrar as águas numa embarcação. A representação de temas navais conheceu larga expressão na arte, abrangendo episódios bélicos, gestas heróicas, cenas do quotidiano, representações de toda a sorte de embarcações e respetivos apetrechos, tripulações e fainas, muitas vezes com grande pormenor. Algo que cobra especial sentido num concelho, como o de Sines, onde a navegação e a pesca possuem grandes tradições.
Importantes fontes de sustento, as águas suscitam todo um vasto conjunto de atividades ao seu redor. Não surpreende, por isso, que a pesca tenha interessado deveras os artistas, proporcionando-lhes um opulento reportório de motivos e temas. O núcleo “Os Trabalhos e os Dias” exorta a pesca enquanto anamnese – uma recordação penetrante – que permite ir ao encontro de elementos do inconsciente. As riquezas que o pescador extrai dos oceanos ou dos rios assemelham-se, em certa medida, aos resultados das forças espontâneas que presidem ocultamente ao mundo.
Tudo brota da água e, de alguma forma, tudo a ela regressa. Nos horizontes dos oceanos, rios e lagos contém-se a infinidade do possível, estado quase sempre fluído e transitório, porta aberta à vida e à morte. Daí a sua relevância simbólica e a sua ligação à presença humana. O núcleo “Uma Miríade de Signos” recorda-nos que no elemento água coabitam a ordem e o caos, a ação e a contemplação. Nele se evidencia também, com frequência, a intervenção do Divino.
Tudo isto cobra um especial sentido em Sines, a terra natal de Vasco da Gama, uma localidade estruturalmente ligada, pela geografia e pela história, ao Atlântico. Concebida como uma homenagem à sua comunidade piscatória, a exposição lembra também Al Berto, o poeta que dedicou grande parte da sua obra a Sines. A mostra tem curadoria do historiador da arte José António Falcão e museografia do arquiteto Ricardo Pereira e da conservadora-restauradora Sara Fonseca.
“Águas Vivas: Mares, Rios e Lagos na Arte Europeia (Séculos XVII-XX)” é uma iniciativa do Centro de Artes de Sines e do Museu de Sines, em parceria com a Real Sociedade Arqueológica Lusitana e a Pedra Angular – Associação de Salvaguarda do Património do Alentejo, com o apoio da União Europeia, através do Programa Operacional Mar 2020 (Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas).
Imagem: Alfred Ost, “Içando as Redes” (1910). Carvão sobre cartolina.
Fonte: https://www.sines.pt/pages/401?event_id=1024