“Em conversa com uma colega de quem gosto muito chegámos à conclusão de que nem sempre nos lembramos da causa que nos fez escrever uma canção, nem do dia ou da hora em que foi escrita, mas, extraordinariamente, lembramo-nos, em quase todas, do lugar onde estávamos quando as escrevemos.
Eu sempre achei que a música tinha poderes de “máquina do tempo”, de nos poder transportar para um momento do passado de uma forma tão sensorial e tão intacta que é como se voltássemos a estar inteiros ali, ao primeiro acorde. Mas vou-me apercebendo cada vez mais de que o que a música faz, principalmente, é transportar-nos para um lugar, uma latitude, um destino com temperatura, cheiro, sensações, pessoas, “esse” lugar onde ela foi (e continua a ser) a banda sonora de alguma coisa única, especial e inesquecível.
É como se ela possuísse o código para uma “geografia particular”, uma geografia que é pertença de cada pessoa, um mapa interior de memórias e de emoções para onde cada canção que nos é especial consegue guiar-nos, a cada um de nós que a ouve, com a exactidão de um gps.
Este concerto fala sobre essa minha geografia e sobre a forma particular como se cruza com a de outros.
Por isso mesmo, é importante também percorrê-la sozinha, a maior parte do tempo, para não me distrair no caminho. Pegar nas minhas guitarras e nas minhas canções, escritas em rascunhos que nem sempre guardei, e procurar o “tom” de cada um dos lugares onde fui triste ou feliz a escrevê-las (e onde quem as ouviu foi feliz ou triste a ouvi-las também). Saber que algumas delas têm, tiveram, terão um significado especial para quem as ouve é uma dádiva.
No fundo, sempre soube que o meu maior desejo era subir ao palco com elas, um dia, e encontrar-vos aí, desse lado. Detentores, cada um de vocês, e cada um à sua particular maneira, dos meus rascunhos perdidos, das nossas geografias particulares”.
Mafalda Veiga
Fonte: https://www.teatrotivolibbva.pt/pt/event/465/mafalda-veiga-geografia-particular