Quando há uns valentes anos atrás descobrimos a obra de Bruce Mau, saltou-nos literalmente a tampa: natural do Canadá, o reputado criativo coloca – com irresistível energia e contagiante entusiasmo – o Design ao serviço da sustentabilidade, através de arrojados projectos como The Institute Without Boundaries, The Bureau of Doing Something About It ou da obra-prima Massive Change, livro cuja principal premissa não deixa lugar a dúvidas: It’s not about the world of Design. It’s about the design of the World.
Em 1998, Bruce Mau escreve “An Incomplete Manifesto for Growth” – uma selecção de máximas que, baseadas nas suas crenças, estratégias e motivações, pretendem optimizar o processo criativo.
Tendo colocado os nossos melhores bots virais ao serviço de uma pesquisa em profundidade na web, concluímos que, 14 anos passados, “An Incomplete Manifesto for Growth” não se encontra disponível online em português de Portugal (embora existam várias versões em português do Brasil).
Ficámos então acordados até tarde, colocámos perguntas estúpidas, partimos, esticámos, dobrámos, esmagámos, rachámos, vincámos e, mantendo-nos em movimento, traduzimos este guia prático, seminal no que diz respeito ao processo quotidiano de aperfeiçoamento criativo. E tu, deixas-te tranformar?
Um Manifesto Incompleto para o Crescimento
por Bruce Mau
1. Deixa que os acontecimentos te transformem. Tens que estar disposto a crescer. O crescimento não é apenas algo que te acontece, mas sim algo que tu produzes e vives. Os pré-requisitos para o crescimento são a abertura para experienciar os acontecimentos, e a predisposição para ser transformado por estes.
2. Esquece o bom. O bom é uma quantidade conhecida. O bom é aquilo com que todos concordamos. O crescimento não é necessariamente bom. O crescimento é uma exploração de recantos obscuros que se podem ou não submeter à nossa pesquisa. Enquanto estiveres apegado ao bom nunca vais conhecer o verdadeiro crescimento.
3. O processo é mais importante do que o resultado. Enquanto for o resultado a determinar o processo, chegaremos apenas até onde já estivemos. Se for o processo a determinar o resultado, poderemos talvez não saber para onde vamos, mas saberemos que é lá que queremos estar.
4. Ama as tuas experiências (como amarias uma criança feia). A alegria é o motor do crescimento. Explora a liberdade de entender o teu trabalho como uma série de belas experiências, iterações, ensaios, tentativas e erros. Vê mais além, e permite-te a ti próprio a alegria de falhar um pouco todos os dias.
5. Aprofunda. Quanto mais fundo mergulhares em algo, mais probabilidades terás de descobrir alguma coisa de valor.
6. Captura acidentes. A resposta errada é a resposta certa em busca de outra questão. Colecciona respostas erradas como parte do processo. Coloca questões diferentes.
Incomplete Manifesto for Growth: Interpretation por Sofia de Rueda
7. Estuda. Um estúdio é um local de estudo: usa a necessidade de produção como uma desculpa para estudar. Todos irão beneficiar disso.
8. Divaga. Permite-te a ti mesmo divagar sem objectivos, explora os adjacentes, passa de julgamentos, adia o criticismo.
9. Começa por qualquer lado. Segundo John Cage, não saber por onde começar é uma forma comum de paralisia. O seu conselho? Começa por qualquer lado.
10. Todos podem ser lideres. O crescimento é algo que acontece espontaneamente: sempre que assim seja, permite que este venha ao de cima. Aprende a seguir quando sempre que isso faça sentido, deixando qualquer outro liderar.
11. Cultiva as ideias. Repensa as aplicações. As ideias precisam de um ambiente dinâmico, fluido e generoso para ganharem vida. As aplicações, por outro lado, beneficiam de rigor crítico. Produz um elevado ratio de ideias por aplicação.
12. Mantem-te em movimento. O mercado tem tendência para reforçar o sucesso. Resiste-lhe e permite que a falta de sucesso e a migração façam parte do teu processo de trabalho.
13. Abranda. Dessincroniza-te dos ritmos convencionais do tempo, e poderás ser surpreendido por oportunidades inesperadas.
14. Não sejas fixe. O fixe é o medo conservador vestido de preto: liberta-te de todos os limites deste tipo.
15. Faz perguntas estúpidas. O crescimento é alimentado pelo desejo e pela inocência. Avalia a resposta e não a questão. Imagina como seria ires aprendendo pela tua vida fora ao mesmo ritmo que uma criança.
Incomplete Manifesto for Growth: Reinterpretation por James McDonough & Kurt McGhee
16. Colabora. O espaço entre pessoas que trabalham juntas está recheado de conflito, fricção, discórdia, euforia, deleite… e de um vasto potencial criativo.
17. _________________. Intencionalmente deixado em branco. Arranja espaço para as ideias que ainda não tiveste, bem como para as dos outros.
18. Fica acordado até tarde. Coisas estranhas acontecem quando vamos longe demais, quando estamos acordados há horas demais, ou trabalhámos demais, e nos encontramos separados do resto do mundo.
19. Explora a metáfora. Cada objecto tem a capacidade de representar algo mais para além do aparente. Explora aquilo que este representa.
20. Tem cuidado com os riscos que corres. O tempo é genético: o hoje é filho do ontem e pai do amanhã. O trabalho que produzes hoje vai moldar o teu futuro.
21. Repete-te. Se gostaste do que fizeste, volta a fazer. Se não gostaste, volta a fazer na mesma.
22. Cria as tuas próprias ferramentas. Desenvolve ferramentas híbridas no sentido de construíres coisas únicas. Até as mais simples ferramentas, desde que sejam são só tuas, te podem proporcionar rotas completamente novas de exploração. Lembra-te que, se as ferramentas amplificam as nossas capacidades, até uma pequena ferramenta pode fazer uma grande diferença.
23. Anda às cavalitas de alguém. Podes viajar muito mais longe quando transportado pelas conquistas de quem veio antes de ti. E a vista é muito melhor.
24. Evita o software. O problema do software é que toda a gente o tem.
25. Não limpes a tua secretária. Podes encontrar algo interessante amanhã de manhã que te tenha escapado hoje à noite.
DixonBaxi Desktop por Dixon Baxi
26. Não entres em concursos e competições. Não o faças e ponto. Não é bom para ti.
27. Lê apenas as páginas esquerdas dos livros. Marshall McLuah defendia que, ao diminuir a quantidade de informação, deixamos espaço livre para preenchermos com as nossas próprias ideias.
28. Inventa palavras novas. Expande o teu léxico: novas condições requerem novas formas de pensar, que por sua vez requerem novas formas de expressão. E novas formas de expressão geram novas condições.
29. Pensa com a cabeça. Esquece a tecnologia. A criatividade não depende de aparelhos.
30. Organização = Liberdade. A verdadeira inovação no Design, ou em qualquer outro campo, acontece em contexto. Esse contexto consiste normalmente nalgum tipo de empresa gerida cooperativamente. Se Frank Gehry, por exemplo, logrou implementar o Guggenheim em Bilbao, foi porque o seu estúdio o conseguiu construir dentro do orçamento. O mito de uma divisão entre “criativos” e “executivos” é hoje aquilo a que Leonard Cohen chama um “encantador artefacto do passado”.
31. Não peças dinheiro emprestado. Mais um conselho de Frank Gehry: mantendo o controlo financeiro, mantemos também o controlo criativo. Não sendo necessária grande ciência para entender isto, é surpreendente o quão difícil é mantermos a disciplina neste campo, e quantos antes de nós falharam.
32. Escuta atentamente. Todo e qualquer colaborador que entra na nossa órbita traz consigo um mundo muito mais estranho e complexo do que alguma vez poderíamos imaginar. Ao escutar os detalhes e subtilezas das suas necessidades, desejos ou ambições, integramos o seu mundo no nosso. Nenhuma das partes voltará alguma vez a ser igual.
33. Faz viagens de estudo / trabalho de campo. A largura de banda do mundo é bem maior do que a da tua televisão, da Internet, ou mesmo da de um eventual ambiente virtual completamente imersivo, interactivo e simulado graficamente por computador em tempo real.
34. Erra mais rápido. Esta ideia não é minha, pedi-a emprestada (penso que a Andy Grove).
35. Imita. Não tenhas vergonha, tenta chegar o mais próximo possível. Nunca chegarás realmente lá, e a separação pode ser verdadeiramente notável. Basta olharmos para Richard Hamilton e para a sua versão do copo grande de Marcel Duchamp, para percebermos o quão rica, desacreditada e subestimada a imitação é como técnica.
36. Improvisa (no original scat). Quando te esqueceres das palavras, faz como a Ella: inventa qualquer outra coisa… tudo menos palavras.
An Incomplete Manifesto for Growth por Lauren Currie
37. Parte, estica, dobra, esmaga, racha, vinca.
38. Explora o outro lado. Existe grande liberdade em evitarmos acompanhar todas as inovações tecnológicas, já que de qualquer maneira acabamos por nunca conseguir estar na máxima vanguarda. Experimenta usar equipamento antigo que, tornado obsoleto pelo ciclo económico, ainda assim mantém grande potencial.
39. Pausas para café, boleias de táxi, salas de espera. O verdadeiro crescimento acontece frequentemente fora dos locais pretendidos, nos chamados não-lugares, ou locais de espera. Hans Ulrich Obrist organizou certa vez uma conferência de artes e ciência, com todas as infra-estruturas de uma conferência – as recepções, os almoços, as chegadas ao aeroporto – tudo excepto a conferência propriamente dita. A brincadeira acabou por ser um grande sucesso e gerar uma série de colaborações futuras.
40. Evita os campos. Salta as vedações. As fronteiras disciplinares constituem tentativas de controlar a espontaneidade selvagem da vida criativa. São esforços por vezes compreensíveis de ordenar processos multifacetados, complexos e evolutivos. A nossa missão é saltar as vedações e atravessar os campos.
41. Ri. Quem visita o nosso estúdio comenta frequentemente o quanto nós rimos. Desde que me apercebi desse facto, uso-o como barómetro para medir o quão confortavelmente nos estamos a exprimir em cada situação.
42. Lembra-te. O crescimento é apenas possível como produto da História. Sem memória, a inovação é apenas novidade: a História dá uma direcção ao crescimento. Mas a memória não é perfeita. Toda a memória é uma imagem degradada ou composta de um evento ou momento prévio. E é isso que nos dá a consciência da sua qualidade de passado e de não presente. Significa que cada memória é nova, uma construção parcial diferente da sua fonte e, como tal, constitui potencial crescimento por si mesma.
43. Power to the people. O jogo só é possível quando as pessoas sentem que têm controlo sobre as suas próprias vidas. Não podemos ser agentes livres enquanto não formos livres.
DOWNLOAD: "An Incomplete Manifesto for Growth" PDF (inglês)
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