A 12ª edição do Doclisboa terminou e o que permanece destes 10 dias de festival é a enorme satisfação, inspiração e vontade de arriscar um pouco mais no que diz respeito à imagem em movimento e representação parcial e subjetiva da realidade. Vi a maioria das Longas-Metragens, quer da competição internacional, quer da portuguesa e partilho as minhas preferências antes de vos apresentar os grandes vencedores.
Branco Sai Preto Fica viaja até uma Brasília dos anos 80 de ações racistas, territoriais e de crimes contra a “população periférica”, que em tudo destoam do ambiente de baile e folia que o filme documenta, as noites loucas de Ceilândia. A onda rádio difunde a história do ontem pelo intemporal groove onde há testemunhos na primeira pessoa e arquivos mudos que silenciosamente relatam aos nossos ouvidos o que foi Ceilândia. A fotografia, a luz, os planos, a “trilha sonora” e até mesmo as cores, para além de uma enorme qualidade, demonstram uma sensibilidade estética muito apurada, com a qual muito me identifico!
Letters To Max define-se através de um estilo mais melancólico e sensorial que nos faz embarcar num outro tipo de batalha, onde pela troca de cartas narradas com doçura, cujo remetente e o destinatário pode ser parte nenhuma, Abecácia, apercebemo-nos de uma realidade tão longínqua e tão próxima da nossa.
Volta à Terra é poesia pura que retrata a aldeia transmontana Uz e a sua população, suas rotinas e rituais, com os sons e os ares do campo que dançam as quatro estações, permitindo, de forma simples, a proximidade com uma realidade vivida pelos meus avós e bisavós, de que ainda guardo memórias.
Outros filmes portugueses de que gostei: As Cidade e as Trocas de Luísa Homem e Pedro Pinho, com uma óptima fotografia; a sequência inicial e o “corte e cola” do filme Pára-me de Repente o Pensamento de Jorge Pelicano e A Lã e a Neve, de João Vladimiro pelo retrato do trabalho expressivo corporal e a descoberta da transposição do sentimento individual para o colectivo.
E os vencedores:
Prémio Cidade de Lisboa para Melhor Longa-Metragem da Competição Internacional
Fu Yu Zi de Wang Bing
Menção Honrosa
Il Segreto de Cyop & Kaf
Prémio Especial Doclisboa do Júri da Competição Internacional
Letters To Max de Eric Baudelaire
Prémio Universidades / Prémio Universidade Lusíada para Melhor Longa-Metragem da Competição Internacional
Hit 2 Pass de Kurt Walker
Prémio Liscont para Melhor Longa-Metragem da Competição Portuguesa
Volta à Terra de João Pedro Plácido
Prémio Escolas / Prémio IADE para Melhor Longa-Metragem da Competição Portuguesa
Volta à Terra de João Pedro Plácido
Prémio do Público / Prémio Jornal Público para Melhor Longa-Metragem Portuguesa
Ilusão de Sofia Marques
No que diz respeito às Curtas-Metragens, a disponibilidade já foi outra e as preferidas foram: Metáfora ou a Tristeza Virada do Avesso de Catarina Vasconcelos e Gangster Backstage de Teboho Edkins. Apesar de serem duas curtas-metragens completamente distintas, qualquer uma delas leva-nos a experienciar os sentimentos originais das personagens envolvidas e, de alguma forma, consegue abanar com o nosso pequeno mundinho preenchido de automatismos e falar-nos diretamente ao coração.
Os vencedores:
Prémio Pixel Bunker para Melhor Curta-Metragem da Competição Internacional
Tôi quên rồi! de Eduardo Williams
Prémio SPA para Melhor Curta-Metragem da Competição Portuguesa
Motu Maeva de Maureen Fazendeiro
Na secção Investigações os meus filmes de eleição foram: Belluscone. Una Storia Siciliana de Franco Maresco e Songs from the North de Soon-Mi Yoo. O primeiro já foi falado anteriormente e poderão revê-lo aqui. No segundo, tudo o que fiz foi encostar-me à cadeira e sentir o filme e as pessoas, sem tentar compreender ou questionar as razões por detrás de um acentuado culto de personalidade organizado em torno de Kim Il-sung.
Os vencedores:
Prémio RTP para Melhor Documentário de Investigação
Evaporating Borders de Iva Radivojevic
Prémio Culturgest Primeira Obra / Prémio para Melhor Primeira Obra transversal às Competições e Riscos
Songs from the North de Soon-Mi Yoo
O Doclisboa’14 terminou e foi com enorme prazer que presenciei uma das minhas edições preferidas do festival, pela essência e atmosfera das questões abordadas, pela qualidade dos filmes exibidos e a contínua possibilidade de perceber o que acontece no mundo, como outros vivem e pensam, sem tabus e sem sair do meu lugar.