Numa época em que o inesperado abalou as certezas da modernidade baseadas na ciência e na técnica, pensar a contingência e o seu oposto, a necessidade, é pensar a possibilidade que uma coisa aconteça, não aconteça, ou aconteça de outro modo, no confronto entre o imprevisível e o providencial, entre o indeterminável e o constante. Para banir o contingente, introduz-se a causalidade natural ou histórica, que releva da probabilidade – como se o real fosse ordenado –, assim como a sua constante monotorização e vigilância. O que é certo é que o contingente eclode uma e outra vez, pois quanto maior o controlo mais o contingente emerge nas sua formas mais brutais, a do acidente ou da catástrofe, ou mais leves, a da falha ou da avaria. O jogo da contingência e do seu controlo são um dos traços característicos da modernidade.
Imaginários ecológicos em torno da “natureza”
Face à crise ecológica, as noções de contingência e necessidade ganham uma nova vida. Por um lado, as alterações climáticas, a exaustão dos recursos naturais ou a sexta extinção de massa desafiam a articulação (se não as fronteiras rígidas) entre o necessário (o que não poder ser doutro modo) e o contingente (o que é susceptível de ser ou não ser, ou de ser doutra forma). Por outro lado, a crise ecológica veio profundamente destabilizar o que durante muito tempo entendemos serem as leis imutáveis e puramente mecânicas da “natureza”, disputando a suposta exterioridade desta última e convidando-nos a repensar a autonomia da esfera humana e a agentividade do mundo natural. Ao deslocar (e ao reconfigurar assim) o debate em torno da contingência e da necessidade para o terreno da cultura visual, o propósito desta comunicação é o de interrogar a forma como o contingencial, o necessário, mas também o possível (associado neste contexto às visões alternativas do futuro), têm habitado os imaginários ecológicos em torno da “natureza”.
Teresa Castro é professora associada em estudos cinematográficos na Université Sorbonne Nouvelle desde 2011, trabalhando também como crítica e programadora cinematográfica. Formada em história da arte (FCSH/UNL e Birkbeck College, Londres), foi investigadora de pós-doutoramento no museu do quai Branly (Paris) e investigadora convidada no Max Planck Institute for the History of Science (Berlim). Uma parte significativa da sua pesquisa atual concentra-se sobre as ligações entre cinema e animismo, ecocrítica, ecofeminismo e as formas de vida vegetais na cultura visual. Neste âmbito, publicou “The Mediated Plant” (e-flux journal, 2019) e co-editou o livro colectivo Puissance du végétal et cinéma animiste. La vitalité révélée par la technique (Presses du réel, 2020). Os seus ensaios “O Passado do Futuro: Uma Fábula Cibernético-Vegetal” e “Navegando Águas Turvas com Líquenes, Fungos e Plantas Ruderais” foram recentemente publicados nos catálogos das exposições Hito Steyerl: I Will Survive (K21 Düsseldorf / Centre Georges Pompidou, Paris, 2021) e Ciencia Fricción (CCCB, Barcelona, 2021), dando este último origem à série “Segredos da Natureza”, produzida pela Culturgest.
Fonte: https://www.teatromunicipaldoporto.pt/pt/programa/contingencia-e-necessidade-teresa-castro-universidade-de-paris-3-sorbonne-nouvelle/