Existe relevância e relevância. E há várias formas de manter essa relevância. Alguns artistas optam por jogar com o tempo e seguir com o que a época lhes diz para fazer, mantendo-se a par-e-par com o presente através de uma ideia de som, mesmo que emprestado, desligando-se da mensagem original. Depois, há aqueles para quem a relevância é a mensagem, pouco importa o que o mundo irá achar deles ou como o fizeram, o que importa é transmitir a mensagem, adaptá-la à época, fazê-la sentir com volume muito alto, mesmo que só exista silêncio. É preciso poder para o fazer, certo. Mais importante: vontade. Kim Gordon está neste último exemplo. Outra coisa não seria de esperar.
Poderíamos dizer que Kim Gordon nos visita num momento importantíssimo, mas para ela todos os momentos são assim. A vida artística tem sido uma de transformar o mundo, de não se estagnar, olhar para a frente com a vontade de mudar. Foi assim com os Sonic Youth, em todos os momentos, mesmo quando lhes pedíamos para não o serem, porque achávamos que não era preciso. Continuaram, sempre com essa relevância, por saberem que parte do poder deles não era o de uma instituição, mas serem rebeldes, continuarem a dizer-nos que também poderíamos ser assim. O hiato da banda, propulsionado pelo fim do casamento com Thurston Moore, em 2011 não convidou Kim Gordon a parar, não se acomodou aos louros e ao trabalho feito. Continuou, escreveu um livro sobre esta coisa de ser “A Miúda da Banda”, continuou na música livre e com Bill Nace iniciou a vida dos Body/Head, até que a carreira a solo ganhou sentido e eis que aqui estamos, “The Collective”, o trabalho de 2024 que vem agora a Lisboa apresentar.
É este último álbum que nos obriga a falar em relevância, pela forma como Kim Gordon arrisca e nos conquista com uma abordagem que funde trap, industrial e noise e resulta no ruído que se precisa para estes tempos confusos. “The Collective” ouve-se como o ruído das ruas, o mal-estar, uma coisa dilacerante que ecoa o presente e o medo do futuro. Uma banda-sonora para um ano de eleições nos Estados Unidos e, podemos adivinhar, esse contexto afetará a forma como ouviremos Kim Gordon em Novembro (ela subirá ao palco do Capitólio alguns dias após as eleições norte-americanas). Tal como é esse ruído, “The Collective” também é a banda-sonora para o incitar, o som que precisamos para nos mexer e sair de casa. Não é o som da revolução, porque Kim Gordon sabe bem que já não deve ser ela a fazê-la, mas nela encontra-se a harmonia – ou a falta dela – de como a devemos procurar. Causa, consequência e acção acontecem no presente de Kim Gordon. Foi assim que sempre a ouvimos, é assim que ela quer continuar a ser. Relevante, sim, mas sobretudo connosco aqui, no presente. Na rua. AS
Fonte: https://zedosbois.org/programa/kim-gordon-the-collective/