O mundo antes de o conhecermos. A imensa era pré-registos históricos é para a escocesa um profundo mar de curiosidades cujo rasto tem vindo a analisar e a filtrar enquanto artista. Tarefa ainda e sempre em curso de busca e reconciliação entre esses tempos esquecidos – e estes tempos tão urgentes. Radicada na Dinamarca desde a sua infância, recorda o folclore celta entrelaçando-o com todo o universo ancestral nórdico. Na forma, tece canções intemporais, de semelhante qualidade féerica de Kate Bush ou Jenny Hval. Tendo estudado com Meredith Monk, não será de estranhar o hipnotismo que cria – levitando poeira em noite de lua cheia. Da complexa subtileza vocal, evoca mitos e projecta visões. Retira da acústica instrumental o musgo da sua música enquanto recorre à expressão eletrónica para salientar os sinais texturais que explora numa obra em movimento.
The Voyager surgiu a meio do surrealismo pandémico, num rasgo vital e telúrico para quem com ele se cruzou. Disco celebrado, dotado de uma noção de composição pop algo insular no seu tempo. Explorando as tensões harmónicas, de carga imagética intensa, parece resgatar invariavelmente uma infinita beleza nos detalhes; o tipo de sensibilidade capaz de transformar uma simples partícula de ideia num vasto manancial de transformações. O arrojo e encanto foi reconhecido pelo Nordic Prize Music enquanto Connely desenvolveu uma app chamada Vandrigen. Permitindo mapear localizações ancestrais remotas, bem além da informação massiva do sistema GPS, cada um desses locais foi visitado pela própria, num exercício de retrato sónico dessas paisagens. Tendo recentemente integrado no selo da Warp, World of Work toma inspiração das esferas do rock progressivo e do minimalismo, assim como da folk mais esotérica. Ao longo de doze peças surgem sinos, melodias a meia luz e a sensação de uma brisa marítima que apazigua a tormenta emocional e questionamento existencialista das letras. Um cancioneiro invulgar, atraído pelo caminho rumo ao desconhecido – e de alma aberta à matéria revelatória.
Conectando pontos similares a outras fabulosas como Astrid Sonne, ML Buch ou Julia Holter, é altura de World of Work saltar dos limites da escuta para uma experiência sensorial só possível neste formato ao vivo. Sem futurismos, e outros ismos, poderemos intuitivamente perceber que estamos a acompanhar um talento que ainda nos continuará a fascinar de modo exponencial. NA
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